Palestra apresentada em 26/11/2012 na Casa do Sol Centro Espírita
Ciclo de palestras sobre “Renovando Atitudes”, Hammed
Autora: Beatriz Hirt
A ARTE DA ACEITAÇÃO
Capítulo 5, item 13
“O homem pode abrandar ou aumentar a amargura das suas provas pela
maneira que encara a vida terrestre...”
“... contentar-se com sua posição sem invejar a dos Outros, de
atenuar a impressão moral dos reveses e das decepções que experimenta; ele
haure nisso uma calma e uma resignação...”
(Capítulo 5, item 13.)
Aceitar
nossa realidade tal qual é um benefício em nossa vida. Aceitação traz paz e
lucidez mental, o que nos permite visualizar o ponto principal da partida e
realizar satisfatoriamente nossa transformação interior.
Só conseguimos modificar aquilo que
admitimos e que vemos claramente em nós mesmos, isto é, se nos imaginarmos
outra pessoa, vivendo em outro ambiente, não teremos um bom contato com o
presente e, conseqüentemente, não depararemos com a realidade.
Muitos de nós
fantasiamos o que poderíamos ser, não convivendo, porém, com nossa pessoa real.
Desgastamos dessa forma uma enorme energia, por carregarmos constantemente uma
série de máscaras como se fossem
utilitários permanentes.
O termo persona é derivado
da palavra latina equivalente a máscara, e se refere às máscaras usadas pelos
atores no teatro grego clássico para dar significado aos papéis que estavam
representando.
De acordo com a Psicologia
Analítica, persona é o arquétipo associado ao comportamento de contato
com o mundo exterior, necessário à adaptação do indivíduo às exigências do meio
social onde vive. É a maneira que cada sujeito se mostra ao mundo, é o caráter
que assumimos; através dela nos relacionamos com os outros. A persona
inclui os papéis sociais, as roupas e o estilo de expressão pessoal como
tatuagens, maquiagem, adereços. Alguns psiquiatras, como Alexander Lowen, em
seu livro “Medo da Vida”, afirmam “ler” o corpo da pessoa como indicativo de
sua persona. Ou seja, os traumas antigos refletem sobre o físico. É o biológico
e o simbólico interagindo.
E o que procuramos ao
nos impingir estruturas tão rígidas a ponto de modificar nossos corpos? A
resposta é aprovação e amor. De nossos pais, inicialmente, pois a formação do
self se dá até os sete anos, e depois da sociedade como um todo.
As máscaras possuem dois
aspectos, um positivo e outro negativo . O positivo
está associado à possibilidade de adaptação do sujeito ao seu meio social. O
aspecto negativo surge quando o Eu
se identifica com a persona, fazendo com que a pessoa se distancie e
desconheça sua real personalidade, a alma. A pessoa deixa de ser quem é para
ser um personagem.
Depois de desistimos de
nossa verdadeira natureza para desempenharmos um papel, estamos destinados a
ser rejeitados, porque já rejeitamos a nós mesmos.
Assim mesmo, nos
esforçamos para tornal o papel bem-sucedido, esperando superear nosso destino.,
mas nos enredamos nele cada vez mais. Ficamos prisioneiros de um círculo
vicioso que cada vez mais se fecha, estreitando nossa vida e nosso ser.
Por que não desistimos do
papel, não imterrompemos o jogo arrancando as máscaras? Porque não somos
concientes que nossa aparência e nosso comportamento não são inteiramente
genuínos. A máscara tornou-se parte do nosso ser. A máscara passou a ser uma
segunda natureza para nós, e nos esquecemos de como era nossa natureza
original.
Outro problema é custo
energético no desempenho de papéis. Tanto gasto de energia que pouco sobra para
o prazer e a criatividade. Se não custa esforço é porque algo é espontâneo e
natural. Só que as pessoas não sentem o esforço que fazem. O que sentem é
fadiga crônica, irritabilidade e frustração. Quando alguém desempenha um papel
nestas proporções, o resultado final sempre é a depressão.
Ex: Sabe
aquele seu chefe que já foi tenente do exército e acha que ainda continua no
quartel? Ou talvez tenha ouvido falar daquele profissional que trabalhou por 20
anos na mesma empresa como executivo, com todas as mordomias e status e, depois
que se aposenta (ou é demitido) acha que ainda é importante ou que pode
continuar carregando o “sobrenome” da empresa.
As pessoas podem ser dominadas por suas personas, abafando o indivíduo por trás da máscara. Tendem
a se ver apenas nos termos superficiais de seus papéis sociais e de sua
fachada.
A persona, no seu aspecto positivo,
é uma necessidade tanto para proteger nossa intimidade contra a intrusão do
mundo exterior como para nos adaptarmos a ele. Esta máscara que todos possuímos não nos transforma em personagens individuais, mas sim coletivos. Através
da persona, conseguimos corresponder às exigências e opiniões do meio e
dos outros indivíduos que nos cercam. No desenvolvimento do ego, a persona
se diferencia do mesmo assumindo um caráter de complexo, porém, mantendo-se
intimamente ligado ao ego. A persona “assume sua forma” no contato com a
consciência coletiva. Como máscara, ou máscaras, a persona vai
possibilitar a inserção saudável do individuo que se forma na esfera
social. (JUNG, 1967).
Costumamos nos comportar de acordo com
as expectativas das outras pessoas. Isto fica evidente em determinadas
instituições, como a família, a universidade ou a empresa em que trabalhamos.
Situações diferentes requerem atitudes distintas. Estas atitudes podem ser
latentes e inconscientes e ainda assim atuarem de maneira a orientar uma pessoa
para que ela se porte de certa maneira em determinada situação. Sempre que uma
atitude for chamada a atender uma exigência do ambiente, mais ela se
fortalecerá como traço de caráter de um sujeito, tornando-se cada vez mais
habitual. Se o ambiente exige constantemente determinadas posturas e atitudes,
estas contribuirão significantemente para que o ego possa se identificar com um
determinado papel social, fazendo com que o indivíduo se apegue total ou
parcialmente à persona que o
meio exige (STEIN, 2006).
O desenvolvimento adequado da persona,
por outro lado, possibilita que o ego experimente o mundo de uma forma
saudável, sem que a coletividade consciente prejudique a evolução desse ego.
Assim, a persona irá proteger o ego e a psique das diversas forças e atitudes
sociais que invadem cada ser humano. Sobre isto, James Hall diz:
A persona é também um veículo para a transformação do
ego: o conteúdo inconsciente pode ser primeiramente vivenciado através de um
papel e, mais tarde, integrado ao ego como parte de sua própria identidade
funcional tácita. (HALL, 2000, p.88).
A atitude de
aceitação é quase sempre característica dos adultos serenos, firmes e
equilibrados, à qual se soma o estímulo que possuem de senso de justiça, pois
enxergam a vida através do prisma da eternidade. Esses indivíduos retêm um
considerável grau de evolução, do qual se deduz que já possuem um potencial de
aceitação, porquanto aprenderam a respeitar os mecanismos da vida, acumulando
pacificamente as experiências necessárias a seu amadurecimento e
desenvolvimento espiritual.
Quando não
enfrentamos os fatos existenciais com plena aceitação, criamos quase sempre uma
estrutura mental de defesa. Somos levados a reagir com, atitudes de negação,
que são em verdade molas que abrandam os golpes contra nossa alma. São
consideradas fenômeno psicológico de “reação natural e instintiva” às dores,
conflitos, mudanças, perdas e deserções e que, por algum tempo, nos alivia dos
abalos da vida, até que possamos reunir mais forças, para enfrentá-los e
aceitá-los verdadeiramente no futuro.
Não negamos
por ser turrões ou teimosos, como pensam alguns; não estamos nem mesmo mentindo
a nós próprios. Aliás, “negar não é mentir”, mas não se permitir “tomar consciência” da
realidade.
Talvez esse mecanismo
de defesa nos sirva durante algum tempo; depois passa a nos impedir o
crescimento e a nos danificar profundamente os anseios de elevação e
progresso.
O livro “O
Cavaleiro Preso na Armadura”, de Robert Fischer,
é uma leitura rápida que nos conta uma fábula de um cavaleiro que
precisava tanto da sua armadura que não a tirava mais. Quando confrontado pela
esposa a tirá-la, percebeu que a carapaça enferrujara e ele estava preso nela.
Começa sua caminhada em busca de sua libertação. Aquilo de início era sua
proteção passou a ser a sua prisão. Ele vai compreendendo as coisas aos poucos,
como num processo terapêutico. É uma estória leve, que se fosse um filme seria
como “Estórias de Nárnia”.
Auto-aceitação
é aceitar o que somos e como somos. Não a confundamos como uma “rendição
conformada”, e que nada mais importa. De fato, acontece que, ao aceitar-nos,
inicia-se o fim da nossa rivalidade com nós mesmos. A partir disso, ficamos do
lado da nossa realidade em vez de combatê-la.
Diz o texto do
Evangelho: “O homem pode abrandar ou aumentar a amargura das suas provas pela
maneira que encara a vida terrestre”. Aceitação é bem uma maneira nova de “encarar” as
circunstâncias da vida, para que a “força do progresso” encontre
espaços e não mais limites na alma até então restrita, pois a “vida terrestre” nada mais
é do que o relacionar-se consigo mesmo e com os outros no contexto social em
que se vive.
Aceitar-se é
ouvir calmamente as sugestões do mundo, prestando atenção nos “donos da verdade” e
admitindo o modo de ser dos outros, mas permanecer respeitando a nós mesmos,
sendo o que realmente somos e fazendo o que achamos adequado para nós próprios.
Em vista
disso, concluímos que aceitação não é adaptar-se a um modo conformista e triste
de como tudo vem acontecendo, nem suportar e permitir qualquer tipo de
desrespeito ou abuso à nossa pessoa; antes, é ter a habilidade necessária para
admitir realidades, avaliar acontecimentos e promover mudanças, solucionando
assim os conflitos existenciais. E sempre caminhar com autonomia para poder
atingir os objetivos pretendidos.
“... contentar-se com
sua posição sem invejar a dos Outros, de atenuar a impressão moral dos reveses
e das decepções que experimenta; ele haure nisso uma calma e uma resignação...”
(Capítulo 5, item 13.)