quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Palestra: a arte da aceitação


Palestra apresentada em 26/11/2012 na Casa do Sol Centro Espírita
Ciclo de palestras sobre “Renovando Atitudes”, Hammed
Autora: Beatriz Hirt
                                                                
A ARTE DA ACEITAÇÃO

Capítulo 5, item 13
“O homem pode abrandar ou aumentar a amargura das suas provas pela maneira que encara a vida terrestre...”

“... contentar-se com sua posição sem invejar a dos Outros, de atenuar a impressão moral dos reveses e das decepções que experimenta; ele haure nisso uma calma e uma resignação...”
(Capítulo 5, item 13.)

                   Aceitar nossa realidade tal qual é um benefício em nossa vida. Aceitação traz paz e lucidez mental, o que nos permite visualizar o ponto principal da partida e realizar satisfatoriamente nossa transformação interior.
                   Só conseguimos modificar aquilo que admitimos e que vemos claramente em nós mesmos, isto é, se nos imaginarmos outra pessoa, vivendo em outro ambiente, não teremos um bom contato com o presente e, conseqüentemente, não depararemos com a realidade.
                  Muitos de nós fantasiamos o que poderíamos ser, não convivendo, porém, com nossa pessoa real. Desgastamos dessa forma uma enorme energia, por carregarmos constantemente uma série de máscaras como se fossem utilitários permanentes.
                  
              O termo persona é derivado da palavra latina equivalente a máscara, e se refere às máscaras usadas pelos atores no teatro grego clássico para dar significado aos papéis que estavam representando.
          De acordo com a Psicologia Analítica, persona é o arquétipo associado ao comportamento de contato com o mundo exterior, necessário à adaptação do indivíduo às exigências do meio social onde vive. É a maneira que cada sujeito se mostra ao mundo, é o caráter que assumimos; através dela nos relacionamos com os outros. A persona inclui os papéis sociais, as roupas e o estilo de expressão pessoal como tatuagens, maquiagem, adereços. Alguns psiquiatras, como Alexander Lowen, em seu livro “Medo da Vida”, afirmam “ler” o corpo da pessoa como indicativo de sua persona. Ou seja, os traumas antigos refletem sobre o físico. É o biológico e o simbólico interagindo.
          E o que procuramos ao nos impingir estruturas tão rígidas a ponto de modificar nossos corpos? A resposta é aprovação e amor. De nossos pais, inicialmente, pois a formação do self se dá até os sete anos, e depois da sociedade como um todo.
         As máscaras possuem dois aspectos, um positivo e outro negativo . O positivo está associado à possibilidade de adaptação do sujeito ao seu meio social. O aspecto negativo surge quando o Eu se identifica com a persona, fazendo com que a pessoa se distancie e desconheça sua real personalidade, a alma. A pessoa deixa de ser quem é para ser um personagem.
        Depois de desistimos de nossa verdadeira natureza para desempenharmos um papel, estamos destinados a ser rejeitados, porque já rejeitamos a nós mesmos.
        Assim mesmo, nos esforçamos para tornal o papel bem-sucedido, esperando superear nosso destino., mas nos enredamos nele cada vez mais. Ficamos prisioneiros de um círculo vicioso que cada vez mais se fecha, estreitando nossa vida e nosso ser.
        Por que não desistimos do papel, não imterrompemos o jogo arrancando as máscaras? Porque não somos concientes que nossa aparência e nosso comportamento não são inteiramente genuínos. A máscara tornou-se parte do nosso ser. A máscara passou a ser uma segunda natureza para nós, e nos esquecemos de como era nossa natureza original.
       Outro problema é custo energético no desempenho de papéis. Tanto gasto de energia que pouco sobra para o prazer e a criatividade. Se não custa esforço é porque algo é espontâneo e natural. Só que as pessoas não sentem o esforço que fazem. O que sentem é fadiga crônica, irritabilidade e frustração. Quando alguém desempenha um papel nestas proporções, o resultado final sempre é a depressão.
       Ex: Sabe aquele seu chefe que já foi tenente do exército e acha que ainda continua no quartel? Ou talvez tenha ouvido falar daquele profissional que trabalhou por 20 anos na mesma empresa como executivo, com todas as mordomias e status e, depois que se aposenta (ou é demitido) acha que ainda é importante ou que pode continuar carregando o “sobrenome” da empresa.  As pessoas podem ser dominadas por suas personas, abafando o indivíduo por trás da máscara. Tendem a se ver apenas nos termos superficiais de seus papéis sociais e de sua fachada.

         A persona, no seu aspecto positivo, é uma necessidade tanto para proteger nossa intimidade contra a intrusão do mundo exterior como para nos adaptarmos a ele. Esta máscara que todos possuímos não nos transforma em personagens individuais, mas sim coletivos. Através da persona, conseguimos corresponder às exigências e opiniões do meio e dos outros indivíduos que nos cercam. No desenvolvimento do ego, a persona se diferencia do mesmo assumindo um caráter de complexo, porém, mantendo-se intimamente ligado ao ego. A persona “assume sua forma” no contato com a consciência coletiva. Como máscara, ou máscaras, a persona vai possibilitar a inserção saudável do individuo que se forma na esfera social. (JUNG, 1967).
         Costumamos nos comportar de acordo com as expectativas das outras pessoas. Isto fica evidente em determinadas instituições, como a família, a universidade ou a empresa em que trabalhamos. Situações diferentes requerem atitudes distintas. Estas atitudes podem ser latentes e inconscientes e ainda assim atuarem de maneira a orientar uma pessoa para que ela se porte de certa maneira em determinada situação. Sempre que uma atitude for chamada a atender uma exigência do ambiente, mais ela se fortalecerá como traço de caráter de um sujeito, tornando-se cada vez mais habitual. Se o ambiente exige constantemente determinadas posturas e atitudes, estas contribuirão significantemente para que o ego possa se identificar com um determinado papel social, fazendo com que o indivíduo se apegue total ou parcialmente à persona que o meio exige (STEIN, 2006).

        O desenvolvimento adequado da persona, por outro lado, possibilita que o ego experimente o mundo de uma forma saudável, sem que a coletividade consciente prejudique a evolução desse ego. Assim, a persona irá proteger o ego e a psique das diversas forças e atitudes sociais que invadem cada ser humano. Sobre isto, James Hall diz:
       A persona é também um veículo para a transformação do ego: o conteúdo inconsciente pode ser primeiramente vivenciado através de um papel e, mais tarde, integrado ao ego como parte de sua própria identidade funcional tácita. (HALL, 2000, p.88).

                  A atitude de aceitação é quase sempre característica dos adultos serenos, firmes e equilibrados, à qual se soma o estímulo que possuem de senso de justiça, pois enxergam a vida através do prisma da eternidade. Esses indivíduos retêm um considerável grau de evolução, do qual se deduz que já possuem um potencial de aceitação, porquanto aprenderam a respeitar os mecanismos da vida, acumulando pacificamente as experiências necessárias a seu amadurecimento e desenvolvimento espiritual.
             Quando não enfrentamos os fatos existenciais com plena aceitação, criamos quase sempre uma estrutura mental de defesa. Somos levados a reagir com, atitudes de negação, que são em verdade molas que abrandam os golpes contra nossa alma. São consideradas fenômeno psicológico de “reação natural e instintiva” às dores, conflitos, mudanças, perdas e deserções e que, por algum tempo, nos alivia dos abalos da vida, até que possamos reunir mais forças, para enfrentá-los e aceitá-los verdadeiramente no futuro.
                  Não negamos por ser turrões ou teimosos, como pensam alguns; não estamos nem mesmo mentindo a nós próprios. Aliás, “negar não é mentir”, mas não se permitir “tomar consciência” da realidade.
                 Talvez esse mecanismo de defesa nos sirva durante algum tempo; depois passa a nos impedir o crescimento e a nos danificar profundamente os anseios de elevação e progresso. 
                 O livro “O Cavaleiro Preso na Armadura”, de Robert Fischer,
é uma leitura rápida que nos conta uma fábula de um cavaleiro que precisava tanto da sua armadura que não a tirava mais. Quando confrontado pela esposa a tirá-la, percebeu que a carapaça enferrujara e ele estava preso nela. Começa sua caminhada em busca de sua libertação. Aquilo de início era sua proteção passou a ser a sua prisão. Ele vai compreendendo as coisas aos poucos, como num processo terapêutico. É uma estória leve, que se fosse um filme seria como “Estórias de Nárnia”.
                 Auto-aceitação é aceitar o que somos e como somos. Não a confundamos como uma “rendição conformada”, e que nada mais importa. De fato, acontece que, ao aceitar-nos, inicia-se o fim da nossa rivalidade com nós mesmos. A partir disso, ficamos do lado da nossa realidade em vez de combatê-la.
                Diz o texto do Evangelho: “O homem pode abrandar ou aumentar a amargura das suas provas pela maneira que encara a vida terrestre”. Aceitação é bem uma maneira nova de “encarar” as circunstâncias da vida, para que a “força do progresso” encontre espaços e não mais limites na alma até então restrita, pois a “vida terrestre” nada mais é do que o relacionar-se consigo mesmo e com os outros no contexto social em que se vive.
                 Aceitar-se é ouvir calmamente as sugestões do mundo, prestando atenção nos “donos da verdade” e admitindo o modo de ser dos outros, mas permanecer respeitando a nós mesmos, sendo o que realmente somos e fazendo o que achamos adequado para nós próprios.
                 Em vista disso, concluímos que aceitação não é adaptar-se a um modo conformista e triste de como tudo vem acontecendo, nem suportar e permitir qualquer tipo de desrespeito ou abuso à nossa pessoa; antes, é ter a habilidade necessária para admitir realidades, avaliar acontecimentos e promover mudanças, solucionando assim os conflitos existenciais. E sempre caminhar com autonomia para poder atingir os objetivos pretendidos.


       “... contentar-se com sua posição sem invejar a dos Outros, de atenuar a impressão moral dos reveses e das decepções que experimenta; ele haure nisso uma calma e uma resignação...”
(Capítulo 5, item 13.)