sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Palestra: Afetividade

Palestra realizada por Rita Pereira Barboza no Centro Espírita Casa do Sol em 12 de setembro de 2011.

Na palestra da semana passada, sobre o assunto da Dependência, apoiada nos princípios do budismo, eu trouxe a vocês a afirmação de que todos nós temos em comum o desejo de nos libertarmos do sofrimento e da dor. Em “Os prazeres da alma”, no capítulo sobre Afetividade, que é o tema da nossa palestra de hoje, Hammed vai mais além nessa afirmação. Ele diz que “A busca do amor é o principal anseio de todo ser humano”. Então o que nos unifica não é apenas o desejo de não sofrer e sim, o de amar.

Refletindo sobre essas duas afirmações, chego à conclusão de que talvez pensar no amor seja para nós mais difícil, ou menos recorrente do que pensar no sofrimento e na dor. Isso porque o sentimento verdadeiro de amor é um indicador de maturidade espiritual, e, sendo nós alunos na escola da vida, vivemos mais situações de sofrimento do que de amor em nossa existência.

Mas será que isso quer dizer que o sofrimento está mais presente em nossas vidas do que o amor? Creio que não. Segundo Hammed, “o amor é a essência fundamental de todas as coisas que vivem sobre a Terra”. Então o amor está sempre presente em nossas vidas. Mais ainda, a base das nossas vidas é o Amor. Porém, nós não lhe damos a devida importância, prestando atenção mais aos nossos sofrimentos e dores. E isso nós já temos ouvido bastante por aqui, não é mesmo? Parece que nossa consciência e atenção estão precisando de uma boa educação para começar a focar no que realmente importa. Bom, acredito que esse é um dos motivos pelo qual estamos aqui, ouvindo (ou fazendo) uma palestra, lendo livros, buscando orientações. Eu também confesso para vocês que encontrei mais dificuldades em desenvolver a temática dessa palestra sobre os prazeres da alma, do que a da semana passada que era sobre uma dor.

Sobre esse tema, uma vez recebi de um amigo um texto, atribuído a um jornalista, compositor e poeta argentino chamado Facundo Cabral, que diz:

Não estás deprimido, estás distraído.

Não estás deprimido, estás distraído… Distraído em relação à vida que te preenche… Distraído em relação à vida que te rodeia. Golfinhos, bosques, mares, montanhas, rios.

Não caia como caiu teu irmão que sofre por um único ser humano quando existem cinco bilhões e seiscentos milhões no mundo.

Além disso, não é assim tão ruim viver só. Eu fico bem decidindo a cada instante o que fazer e graças à solidão conheço-me. O que é fundamental para viver.

Não faça o que fez teu pai que tem setenta anos e esquece que Moisés comandou o êxodo aos oitenta e Rubinstein interpretava Chopin com maestria sem igual aos noventa, para citar apenas dois casos conhecidos.

Não estás deprimido, estás distraído. Por isso acreditas que perdeste algo, o que é impossível, porque tudo te foi dado.

Além disso, a vida não tira coisas, te liberta de coisas e até alivia-te para que possas voar mais alto, para que alcances a plenitude.

Do útero ao túmulo, vivemos numa escola; por isso o que chamas de problemas são apenas lições.

Não perdeste coisa alguma. Aquele que morre está adiantado em relação a nós, porque todos vamos na mesma direção. E não esqueças, o melhor Dele, o amor, continua vivo em teu coração.

(continua)

Mas porque é tão difícil para nós percebermos o amor à nossa volta?

Um dos motivos é que para podermos exercer o amor é preciso que compreendamos e exerçamos a chamada “fraternidade”. Segundo Hammed, a mais exata e essencial definição de fraternidade foi descrita por um chefe indígena de Seattle quando disse: “Tudo que acontece com a Terra, acontece com os filhos da Terra. O homem não tece a teia da vida; ele é apenas um fio. Tudo o que ele faz à teia faz a si mesmo”. Todas as coisas e pessoas na vida estão interligadas pelo amor de Deus. Por isso, Jesus indica que o maior mandamento é “Amar a Deus sobre todas as coisas” e acrescenta um segundo dizendo que este é semelhante ao primeiro: “amar ao próximo como a si mesmo”.

No capítulo XI do Evangelho segundo o espiritismo, “Amar ao próximo como a si mesmo”, está escrito: “O amor é de essência divina e, desde o primeiro até o último, possuís no fundo do coração a chama desse fogo sagrado. É um fato que pudestes constatar muitas vezes; o homem mais abjeto, o mais vil, o mais criminoso, tem por um ser, ou por um objeto qualquer, uma afeição viva e ardente, à prova de tudo que tendesse a diminuí-la, e atingindo, freqüentemente, proporções sublimes.” Então, o amor é realmente o sentimento que nos unifica enquanto irmãos e nos religa a Deus enquanto nosso pai e criador.

Fraternizar não significa comungar das mesmas idéias e convicções, mas, sobretudo, respeitá-los, aceitando as diferenças. Hammed diz, “No lugar em que o amor reina, não há imposição e repressão; onde a imposição e a repressão prevalecem, o amor está ausente. A autêntica afetividade está associada a uma ampliação de consciência e amadurecimento espiritual. Quem a possui aprende a ser caridoso, generoso, benevolente, deixando os outros livres não apenas para errar, para aprender, para discordar, mas também para amar, reconhecendo que as fragilidades que muitas vezes recriminamos nos outros podem ser as nossas amanhã”. E isso com certeza é bem difícil para todos nós.

Mas o que acontece é que em nossa sociedade costumamos considerar atos de fraqueza e covardia o que na verdade são atos de fraternidade e de amor. Então, para sermos aceitos, utilizamos certos mecanismos de evasão da nossa afetividade. Uma espécie desses mecanismos é o que Hammed chamou de “robotização”. Um mecanismo que conhecemos muito bem: quando realizamos nosso trabalho e nossas atividades diárias sem prazer ou criatividade, sem nos envolvermos emocionalmente. Outro mecanismo é justamente colocarmos a máscara de “perfeição”, buscando ser aquilo que recebe aprovação alheia, querendo forçar as pessoas a nos aceitarem. Porém, conforme ensinou Jung, aquilo que chamamos de sombra, ou seja, aquilo que não admitimos em nós e que nos esforçamos para ocultar são sempre qualidades em potencial, que podemos despertar dentro de nós a partir da consciência de seus aspectos.

Não podemos esquecer de que quando Jesus falou, “Deixai vir a mim as criancinhas”, queria que os homens viessem a ele com a mesma confiança desses pequenos seres de passos vacilantes. Para conquistarmos os sentimentos divinos é preciso que nos entreguemos a essa seara tendo puro o coração, ou seja, com humildade e boa vontade, sem nos envergonharmos deste ou daquele comportamento, buscando sempre compreender melhor os ensinamentos. Assim, nesse capítulo do Evangelho segundo o espiritismo (cap.VIII – Bem-aventurados os que têm puro o coração), um espírito protetor irá ensinar: “se tendes o amor, tendes tudo o que se pode desejar sobre a Terra, possuireis a pérola por excelência, que nem os acontecimentos, nem as maldades daqueles que vos odeiam e vos perseguem poderão vos arrebatar. Se tendes o amor, tereis colocado o vosso tesouro lá onde os vermes e a ferrugem não podem atingi-lo (...)”.

Gostaria de encerrar essa palestra com mais um trecho do texto de Facundo Cabral que acredito que evoca um pouco dessa criança que vive em nós, que tem fé na vida, que sabe que se não entende nem é feliz em todas as coisas é simplesmente porque não cresceu ainda o suficiente. Em sua inocência, a criança também sabe que é pequena, e que existe alguém, um pai, que é maior do que ela e que sabe muito mais do que ela imagina, o suficiente para lhe proteger e ensinar os melhores caminhos a seguir.

“Se Deus possuísse uma geladeira teria a tua foto pregada nela. Se Ele possuísse uma carteira tua foto estaria nela. Ele te envia flores a cada amanhecer, a cada manhã. Cada vez que desejas falar Ele te escuta. Ele poderia viver em qualquer ponto do Universo, mas escolheu o teu coração. Encara amigo, Ele está louco por ti.

Deus não te prometeu dias sem dor, riso sem tristeza, sol sem chuva. Porém Ele te dá força para cada dia, consolo para as lágrimas e luz para o caminho. Não… não estás deprimido… estás distraído! (Facundo Cabral)”

Obrigada!

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Palestra: Dependência

Palestra realizada por Rita Barboza em nosso centro em 05 de setembro de 2011, dentro do ciclo de palestras sobre as obras de Hammed.

Dependência

A palestra de hoje é sobre o assunto da “Dependência”. Para essa palestra, busquei como inspiração, além dos livros de Hammed que orientam esse ciclo (As dores e os prazeres da alma), as obras básicas espíritas e alguns ensinamentos budistas que me pareceram bastante apropriados para essa reflexão.

Mas antes de entrarmos propriamente no assunto da Dependência, gostaria de fazer uma reflexão sobre a questão das Dores da Alma e da aprendizagem enquanto caminho de evolução.

Uma afirmação que podemos fazer e que nos unifica enquanto seres humanos é de que cada um de nós deseja ardentemente se libertar do sofrimento e da dor. Uma forma de buscar essa libertação é através do estudo e entendimento das nossas relações com o sofrimento e com a dor. É nesse sentido que temos realizado as palestras com base na obra de Hammed. Assim, analisamos aquilo que nos traz sofrimento para que possamos aprender com esse sofrimento e não para julgarmos aos outros nem a nós mesmos.

No livro “As dores da alma”, Hammed indica: “em verdade, os “pecadores” precisam mais de auto-análise, reparação e tratamento do que de condenação, repressão ou castigo” (p.16). Então, as dores são as nossas educadoras, trazem a nós a oportunidade de nos compreendermos melhor e de crescermos espiritualmente. “Todos somos alunos, não malfeitores, na escola da vida”. (p.18)

O que é uma dor da alma? Hammed explica, “As dores da alma provocam um aperto no peito, uma dificuldade de respirar, uma sensação que o coração vai se partir” (p.18). Assim, através dos nossos sentimentos e sensações podemos perceber o que é que nos causa dor. Aí, já estamos introduzindo o tema da dependência/independência, porque estamos afirmando que não há ninguém melhor do que nós mesmos para avaliar se estamos no caminho correto. Os nossos amigos encarnados e desencarnados (anjos de guarda, mentores) estão sempre dispostos a nos auxiliar na tomada de decisões e nos inspirar bons pensamentos, o que é de grande valor, mas sempre caberá a nós a escolha da melhor atitude a tomar.

Por isso, sempre que buscarmos uma aprendizagem, sobretudo que diga respeito à nossa transformação íntima, devemos fazê-la utilizando a nossa consciência e análise. Só assim poderemos realmente assimilar o conceito que estamos estudando e modificar as nossas atitudes de maneira sincera e efetiva.

No campo da análise e aprendizagem dos ensinamentos espirituais, o budismo nos apresenta o “princípio das quatro confianças”:

1. Não confie na pessoa, confie na doutrina

2. Sobre a doutrina, não confie nas palavras, confie no significado:

3. Sobre o significado, não confie no significado sujeito à interpretação, confie no significado definitivo

4. Sobre o significado definitivo, não confie na consciência comum, confie na sabedoria exaltada.

Com esses princípios entendemos que não deveríamos confiar na fama, no status nem em nenhum outro atributo do mestre, mas, sim, no que ele diz. Ainda, não devemos confiar cegamente no que está sendo dito e sim, avaliar o significado e conteúdo das palavras. No capítulo XXI do Evangelho segundo o Espiritismo, chamado “Haverá falsos cristos e falsos profetas”, Kardec nos ensina a conhecer as árvores por seus frutos, ou seja, submeter à avaliação criteriosa e moral tudo aquilo que se apresentar a nós como sendo divino. Esse entendimento deve ser buscado não pela consciência comum, ou seja, nossa razão puramente intelectual ou nossas impressões superficiais, e sim pela sabedoria exaltada, que pode ser entendida como a nossa alma, nosso estado íntimo de encontro com Deus. Esse estado pode ser conquistado através da oração, da humildade e da meditação.

O interessante a observar é que, enquanto nos convoca a avaliar intimamente os seus preceitos, o espiritismo e outras filosofias que têm esse propósito, como o budismo, estão nos convocando a buscar uma atitude autônoma e original sobre as nossas vidas.

Uma das maiores graças que Deus nos concedeu foi o que chamamos de Livre Arbítrio, ou seja, a condição de decidirmos os caminhos que vamos trilhar na vida, dentro da lei da ação e da reação. Assim, somos responsáveis pelo bem e pelo mal que praticamos conosco e com os outros durante nossa existência. Muitas vezes, aquilo que consideramos como sendo “injustiças de Deus” se trata justamente da relação negativa de dependência que estabelecemos com Ele, esperando que os nossos problemas e os problemas do mundo sejam resolvidos sem o nosso envolvimento e responsabilidade.

Deus quer que sejamos “nós mesmos” compreendendo nosso valor pessoal como seus filhos, criados “sob medida”, para percorrer um caminho particular de evolução espiritual, assumindo a responsabilidade sobre os nossos atos e escolhas. Hammed indica que “no Novo Testamento, capítulo 7, versículo 13, assim escreveu Mateus em seus apontamentos: ‘Entrai pela porta estreita porque larga é a porta e espaçoso o caminho que leva à perdição (...)’” (p.196). Essa mesma passagem pode ser encontrada no capítulo XVIII do Evangelho, “Muitos os chamados e poucos os escolhidos”. “Pelo fato de a porta ser estreita, devemos atravessá-la – um de cada vez – completamente sozinhos, acompanhados apenas pelo mundo de nossos pensamentos e conquistas íntimas” (p.196).

É muito fácil seguirmos a aprovação e opinião de outros, porque quando fazemos o que a maioria considera bom, da mesma forma não vamos ter repreensões e contrariedades com essas pessoas. Mas precisamos entender que, mesmo vivendo em comunidade, estamos vivendo essencialmente com nós mesmos e vamos sempre ser responsáveis – devedores e credores – da nossa própria atitude e não das dos outros.

As leis divinas estão escritas em nossa consciência, em nossa alma e, “por voltarmos costumeiramente os olhos para fora, e não para dentro de nós mesmos, é que nunca conseguimos vislumbrar as riquezas do nosso mundo interior” (p.197). Se colocamos muito valor às coisas externas a nós, sejam elas emocionais ou materiais, estamos nos colocando na condição de escravos dessas coisas. Assim, me recordo de uma passagem que me tocou muito do livro “Há dois mil anos”, de Emmanuel, em que o protagonista, Publius Lentulius (o próprio Emmanuel em uma de suas encarnações), sendo um poderoso senador romano à época de Cristo, tem a oportunidade do encontro com o Mestre que lhe diz: “teu reino e teus poderes são bem fracos diante da eternidade”. Penso que o que Cristo estava ensinando a Publius não era uma mera convenção que às vezes tomamos exteriormente como a condenação dos atributos e valores materiais e terrestres pura e simplesmente. O que Cristo quer nos ensinar é que o maior reino que pode existir é o reino das nossas almas – nosso reino interior que não nos é dado nem retirado e, sim conquistado, construído. Escolhendo outros senhores estamos “livremente” optando pela condição de escravos.

Obrigada!